domingo, 18 de março de 2018

O metaleiro e o Maestro

Sexta-feira Santa chuvosa. Vontade de não fazer nada, ficar em casa. Ela me liga:
- O que cê tá fazendo?
- Nada.
- Vamos lá?
Lá. Se ela falou “lá” é porque supôs que eu soubesse onde era.
- Onde?
- Na casa dele.
Não tinha a menor vontade de ir. Queria ficar quieto.
- Muito empenho! - eu disse.
- Vamos, ela insistiu.
Não podia recusar. Sabe aquela sensação? Puta que pariu, você pensa. 
- Ok. Em meia hora, na quinze. Pode ser?
- Jura que cê vai?
Fazer o quê? Eu ia.
O sujeito era metaleiro. Gostava de rock pesado. Hard. Aquelas coisas que eu, mesmo curtindo rock ‘n roll, não conseguia suportar. Além do mais, a conjuntura pessoal não era favorável. Passarim, do Maestro Jobim, havia acabado de sair. Eu ouvia, mentalmente, "I've never been in Paris for the summer, I've never drank a Scotch with this bouquet, My life is such a mess let'a have a Brahma, I'm happy that you called, I really feel touché”...
            - E se ele nos convidar pra entrar?
            Nem respondeu.
            Fui. Com chuva, inércia e, o pior, o ponto de ônibus. Mais de meia hora esperando ali, o vento gelado, a chuva fina. A incerteza de que o ônibus passaria: nada pior.
            - Melhor desistir, sugeri.
            - Não brinca comigo.
            - Tem certeza?
            - Lógico. Vai valer a pena.
            Valer a pena? Pra quem, cara pálida? – pensei, mas não falei nada.
            O ônibus chegou.
            - Sabe o endereço?
            - Mais ou menos. Fui lá uma vez.
            Chegamos.
            Tocou a campainha e alguma coisa disparou dentro dela. Arritmia, aos 16 anos, é sintoma de paixão. Não era.
            Cinco minutos. Não dá pra acreditar. O metaleiro viajou. Tivesse, ao menos, avisado. Nem recado na porta. Claro, ele nem sabia quem era o Arnesto.
            - Vambora? – ela perguntou.
            - Certeza? Não quer tentar mais um pouco? – retruquei irônico.
            Voltamos. De ônibus.
            Ao chegar em casa, coloquei o LP na pick up do meu pai. Ouvi Chansong: “My life is such a mess...”
            Ela poderia contar comigo. Sempre.

sábado, 10 de março de 2018

Tio Harlan 9: a Lava-jato

Tio Harlan me telefonou. Era urgente.
- Preciso de um criminalista!
- O quê?
- É isso mesmo que você está pensando: a Lava-Jato me pegou!
- Até você, tio Harlan?
Fiquei estupefato. Ou, melhor, estarrecido, como diria aquela mulher.
- Não acredito.
- É verdade. Chegaram até mim.
Fazia um bom tempo que o Tio Harlan não dava notícias. Meus amigos já estavam preocupados. Sabiam que, uma hora ou outra, ele sempre aparecia. Se não era para pedir socorro, era para pedir colo (ou advogado).
- O que aconteceu? – perguntei incrédulo.
Ele começou a narrar. Disse que embora ninguém suspeitasse, sempre teve relações com o homem da Moralidade. Naturalmente, desconfiei. Alguém que disse ter ganhado do Borg ou composto “Disparada”, não poderia ter relações com o dono da Moralidade. Mas ele afirmou:
- Sim, tomávamos café em São Bernardo. A d. Larisa Metícia é que servia. Tudo na maior intimidade, com suspiros e camafeus.
- Continue – eu disse.
A história era, aparentemente, simples. A pretexto de ajudar o ex-ministro da Casa Civil, ele disse que não se importava em figurar como proprietário na escritura de um Loft.
- Onde era?
- No Leblon!
Pelo menos a história não foi tão miserável com meu tio. Do Guarujá para o Leblon a grandeza é abissal, de distância e de bom gosto.
- Era só assinar. A matrícula era minha, mas a propriedade, dele.
- Puta que o pariu, Tio Harlan. Você assinou?
- Assinei. A carne é fraca!
Ele caiu no choro, coitado. Confessou que foi o Jesley, um amigo dos tempos do ginásio e filho de açougueiro, que o estimulou. Os tempos eram outros, não havia, ainda, a caça às bruxas.
- A gente fazia o que queria. Ninguém ligava. De repente, começou essa histeria. O mouro do sul nem era conhecido e estava longe de fazer discursos da Ilustração.
- E o Loft? Valeu a pena? – perguntei como se quisesse animá-lo, mas o tom de sarcasmo era indisfarçável.
Não teve dúvidas: bateu o telefone na minha cara.
Pobre Tio Harlan. Curitiba o aguarda!