sábado, 10 de agosto de 2013

Dorinha

Dorinha: a  moça do sonho numa noite de verão - Roberto Barbato Jr

Pra ser sincero, não percebi quem era. Pensei, Nossa, que moça linda. Só depois, andando um pouco pelo corredor, é que imaginei que pudesse ser mesmo a Dorinha da televisão. Sabe aquele efeito retardado? Deve ter sido o impacto da beleza dela. Quando eu poderia imaginar que a Dorinha frequentasse aquele shopping? Estava lá com os filhos. Dois meninos. Entrou numa loja de moda feminina e os moleques ficaram ali na frente, sentados jogando alguma coisa, cada um no seu tablet. Ela veio até a porta da loja e deu meia volta. Foi tão rápido que nem consegui visualizar seu rosto. O problema é que eu, pra não dar pinta de caipira, não fiquei olhando. Se soubesse de pronto que era ela, diria alguma coisa ali mesmo, no meio daquele corredor. 

Perguntaria sua identidade ou se a conhecia de algum lugar qualquer. Quem sabe fosse prima da tia Lalá? Não, não, você deve tá me confundindo. Eu sou atriz. Eu sabia, eu sabia. Poxa, você é linda mesmo. É como a gente vê na televisão. Quer dizer, você é mais bonita assim, ao vivo. Obrigada, ela agradece. E vai embora calada. Linda.

Era mesmo a Dorinha. Na adolescência eu arrastava um bonde – um bonde, não, um comboio – por ela. Até hoje me pergunto como a figura de uma atriz pode fascinar tanto alguém que está do outro lado da tela, na plateia, ou no corredor do shopping. Essa atriz encarna uma personagem, entra na sua vida toda noite, destroça o seu coração, faz você sonhar com ela. E o pior é que você não sabe se é a atriz ou a personagem. Quem é que faz você se perder. Eu nunca me enganei. A Dorinha era a Dorinha, a atriz. Fosse qual fosse a personagem.

Eu sonhava com ela uns sonhos reais, a gente conversando e tal. Era tudo colorido, nítido. Pegava na mão dela, caminhava pertinho. Só uma vez, uma vez só, o sonho foi erótico. Mesmo assim não passou de um beijo. Ela nem aparecia sem roupa, nem nada. Era um beijo de uma atriz. O sonho era tão real que senti, juro que senti, o gosto daquele beijo. Falo isso porque os beijos de sonhos não têm gosto, são insípidos. O da Dorinha tinha.

Aquele encontro – teria sido um encontro? – me pirou. Fiquei um mês pensando nela. Logo que cheguei em casa procurei por alguma informação na internet. Ninguém falou nada. Os sites de celebridades não disseram que ela estava no shopping. Nem as revistas publicaram “Dorinha Meireles faz compra com filhos em shopping”. Aquele devia ser um dia normal. Acordou, almoçou e foi com as crianças fazer compra. O marido? Não. Não tem marido. Está separada. Foi casada com um cara que, pra conquistá-la, convenhamos, só pode ser um deus. Fiquei até imaginando como eles se conheceram e que tipo de conversa rolou antes do primeiro beijo. Ela era atriz contratada e ele fazia sabe-se lá o quê. Ele devia ser o cara, porque nem artista era. Quando uma atriz é casada com um ator ou músico, a gente entende. Mas a Dorinha, não. Ela se casou com alguém que não era do meio artístico. Daí a grandiosidade do sujeito. Não houve ensaio, encontro na coxia, no set de filmagem, nada disso. Ele chegou e arrebatou o coração dela, como alguém simples. Alguém que até podia ser eu, se eu não fosse esse bocó.

Olha, acho que a Dorinha é eterna. Ok, tudo bem. Pode parecer que o entusiasmo é grande. Reconheço que tive fases. Primeiro a Lili, depois a Cláudia Helena, a Malu, a Alicia. De fato, a Dorinha deve ter sido meu último arroubo juvenil. Agora, adolescência acabada, não dá para dizer que é só entusiasmo. Deve ser amor mesmo, no duro. É difícil admitir uma coisa assim, tão imponderável, mas isso é o amor.

Sábado que vem estarei lá de novo. Vou passar por aquele corredor e depois me sentar na frente da tal loja. Quando aparecer, juro, vou contar tudo isso pra ela. E ela vai gostar.


(continua)

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