sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O pai da Lucinha

O pai da Lucinha - Roberto Barbato Jr

O pai da Lucinha era um pentelho. Dos grandes. Sujeito chato mesmo. Adorava infernizar a vida alheia. Um dia, meteu na cabeça que iria atazanar a professora da filha, a tia Joviane. Com esse nome, pensava, a mulher não era boa coisa. Além de barriguda, devia ter bigode e mau hálito. Nem se deu ao trabalho de vê-la ou pedir informações à filha acerca de sua beleza. Estava convencido: a tia Joviane era um tribufu.

Instruiu a menina para colocar a professora em saia justa diante de toda a classe. A Lucinha, coitada, com seus sete anos, não tinha ciência da sacanagem que estava prestes a fazer.

Numa tarde, enquanto ouvia explicação sobre os quatros elementos da natureza, a Lucinha interrompeu a aula e se saiu com essa:

- Tia, você sabe quem foi Leibniz?

A tia Joviane corou. Com sua parca experiência no magistério e uma formação intelectual lacunosa, não soube o que responder. A classe toda riu e surgiu uma desconfiança da parvalhice da professora. Um espírito de porco, o pai da Lucinha! Conseguiu o que queria.

Ao tomar conhecimento da proeza da filha, o imbecil vibrou. Nem bem esperou virar a semana e apresentou outro nome esdrúxulo para a menina. Ela mandou ver. Daquela vez, a Tia Joviane, sempre tão meiga, explanava sobre as quatro estações do ano.

- Tia, você já leu Kierkegaard?

A criançada veio abaixo na sala de aula: uma guerra de papeizinhos, um zum-zum-zum de assobios e o barulho das carteiras se arrastando...

O pai da Lucinha já não se continha na sua sanha exitosa. Apresentou à filha ninguém menos que Heidegger. E complementou:

- Se a tia Joviane disser que conhece Heidegger, pergunte se ela sabe quem foi a aluna por quem ele se apaixonou.

A menina adorou saber que a namorada do sujeito era uma tal de Hannah Arendt, também filósofa. Incrementou a provocação do pai.

- Tia Joviane, a senhora sabe quem foi professor de Hannah Arendt?

Uasuashauhs! A molecada não se conteve! A tia Joviane já estava em descrédito com o corpo – corpinho – discente. A criançada não perdoava.

No final do mês, o pai da Lucinha foi implacável. Deu à filha uma aula sobre a Lei de Hooke e fez um pedido para a menina:

- Se a mula da tia Joviane não souber, explique você para a turma toda.

Dito e feito. A Lucinha fez a indagação. A exemplo das outras vezes, a tia Joviane não soube responder. A menina dissertou sobre o tema como se defendesse uma tese de livre-docência. Arrasou.

Diante do ocorrido, a professora foi objeto de longa discussão da diretoria da escola. Reunião de pais e mestres foi marcada e o pai da Lucinha, o primeiro a comparecer. Queria ver a baranga da professora. Quando ela entrou na sala, o biltre ficou boquiaberto, totalmente descrente daquela realidade cruel. Um metro e sessenta de pura delícia, um corpo escultural. Um paradoxal mulherão! Quem diria, a tia Joviane, hein? Burrinha, é verdade. Mas, que mulher! Se arrependimento matasse, pensou. E matou. Em segundos foi fulminado pela beleza da moça.



Nenhum comentário: